Por: Bruno Nascimento Campos
Com a chegada da ferrovia e, principalmente, com sua expansão, a cidade de São João del-Rei passa a concentrar grande parte de sua expansão urbana acompanhando os trilhos, tendendo progressivamente aproximar-se do arrabalde de Matosinhos e do núcleos de imigração das colônias do Marçal e do José Teodoro.
Conforme indica Graça Filho, o núcleo urbano de São João del-Rei encontrava-se, no último quartel do século XIX, em acelerado processo de urbanização[1] . Numa análise rasteira do crescimento da cidade a partir de fins do oitocentos é possível verificar a decisiva influência da ferrovia como guia deste crescimento.
Fonte: LIMA, Sérgio José Fagundes de Souza. Arquitetura São-Joanense do Século XVIII ao XX. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Vol. VIII. São João del- Rei: Gráfica da APAE, 1995. Modificado pelo autor.
Notamos no mapa acima que a área marcada que apresentou crescimento a partir de fins do século XIX se concentra na área do entorno da estação ferroviária. Podemos afirmar que a ferrovia influiu diretamente como orientadora deste crescimento, já que para seu funcionamento era exigido um contingente enorme de mão-de-obra na operação e nas oficinas inauguradas em 1882, estes trabalhadores passaram a habitar o mais próximo possível do local de trabalho. Além disso, casas comerciais dos mais variados tipos se instalaram nas proximidades da estação, hotéis e casas comerciais de todo tipo. O eixo do comércio foi aos poucos se deslocando para a rua Paissandú [2].
Com a chegada da ferrovia na cidade várias melhorias foram introduzidas nos serviços urbanos. Não perdendo de vista que este período, de fins do Império e início da República, foi, em várias regiões do país, de modernização da indústria e da introdução de melhoramentos nos serviços urbanos [3].
O periódico “A Pátria Mineira”, em fevereiro de 1892, faz um balanço do que ocorrera nos dois anos anteriores, o que dá noção do crescimento ocorrido em tão pouco tempo:
“No decurso dos dous ultimos annos em nossa cidade mais de cem prédios; abriram-se diversos hoteis (...); fundaram-se duas companhias industriaes e um banco (...); estabeleceram-se mais tres relojoarias (...); mais trez (sic) alfaiatarias; diversas officinas de sapateiros; tres institutos de educação (...); organizaram-se diversas associações, sendo duas de beneficencia; finalmente abriu-se mais uma rua aprasivel, a das Mangueiras[*].
Por outra parte, apezar do augmento das construcções, não se ncontram predios desoccupados; os alugueis das casas têm subido de preço, há emprego e serviço para quntos procuraram trabbalho e não obstante o alto preço de todos os generos, tem desapparecido em grande parte a mendicidade, que nos sabbados infestava as ruas da cidade”[4].
[*] Hoje rua Comendador Costa. V. Carlos de Laet. Em Minas. 2ª ed., São Paulo, Globo,1993, p.27.
Parece que a cidade manteve um bom ritmo de melhoria. Em fevereiro de1909, o periódico “A Opinião” afirma que:
“(...) vivemos em uma cidade que, por seu commercio e sua população occupa talvez o terceiro ou quarto logar no Estado de Minas (...), poucos municipios mineiros terão uma renda superior á de S. João d’El- Rey”[5].
O serviço de telégrafos foi feito pela Oeste de Minas, para “qualquer partedo mundo em que tenha chegado o fio telegraphico”, até 1896, quando foi inaugurada aqui uma estação do Telégrafo Nacional.
Em 1887 foram feitos melhoramentos nos sistemas de captação e distribuição de água na cidade com a participação do engenheiro da Oeste, Hermillo Alves . Em 1893, a Câmara cria uma empresa para cuidar da canalização de água potável e para promover o calçamento na cidade . Em 1915 foi feita uma grande ampliação nestes sistemas de captação de distribuição de água, passando atender ao Bairro das Fábricas e Matosinhos, além de se modernizar e ampliar também a rede de captação de esgotos. Entre 1887 e 1915, estes bairros, principalmente o bairro das Fábricas, passaram de algumas chácaras esparsas à consideráveis concentrações
populacionais como podemos conferir na ilustração abaixo. Em 1893 inaugurou-se o Teatro Municipal. Em 1900 foi inaugurado em São João o serviço de iluminação elétrica, encampado pelo município no mesmo ano. A oferta de energia elétrica, segundo Augusto Viegas, proporcionou à cidade um “surto de progresso que de então por diante experimentou”
.
A chegada de indústrias ocorreu pela presença da ferrovia. Estas indústrias se instalaram às margens da ferrovia de modo a facilitar a chegada de matérias-primas e o escoamento da sua produção. No período abrangido por esta monografia se instalaram às margens da ferrovia a Companhia Industrial Sanjoanense e a Ferreira Guimarães & Cia (Fábrica de Tecidos Brasil) , ambas na av. Leite de Castro, e uma fábrica de laticínios em Matosinhos. Gaio Sobrinho aponta o surgimento de fábricas em outros segmentos e em outros locais da cidade neste período de 1881 a 1915: fábricas de massas alimentícias, de móveis e colchões, de bebidas, de artefatos de folhas de flandres, alfaiatarias, entre outras.
A Cia. Industrial Sanjoanense contou por vários anos com um ramal ferroviário de alguns poucos metros que entrava no pátio da fábrica. Junto à fábrica desta empresa foi criada uma vila operária que, sem dúvida, deu grande impulso ao povoamento desta região.
Foto da década de 1920. Acervo do NEOM-ABPF.
A foto acima dá uma noção de como o crescimento da cidade foi orientado pela ferrovia. A avenida Leite de Castro, com uma pista de cada lado da ferrovia, concentrou a maior parte do crescimento populacional da cidade até o surgimento de outras indústrias no arrabalde de Matosinhos, que passava então dividir este crescimento. Esta avenida termina nas proximidades do núcleo colonial do Marçal.
Em 1891 foi fundada a Companhia Agrícola e Industrial Oeste de Minas, em cujos estatutos se propunha “promover a cultura da uva em São João del-Rei, Tiradentes, Bom Sucesso, Lavras e Oliveira. (...). Fabricar vinho, álcool e vinagre (...). Cultivar mandioca e anileira (...). Explorar a indústria de cera e cerâmica” . Esta empresa se propunha atuar em toda a área abrangida pela E.F. Oeste de Minas e contava com a promessa do governo de promover a imigração. De fato, ela trabalharia fundamentalmente com mão-de-obra de imgrantes que seriam instalados em colônias ao longo da ferrovia.
Bibliografia
[1] Afonso de Alencastro Graça Filho. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais São João del Rei (1831-1888). São Paulo, Annablume, 2002, p. 133.
[2] Hoje avenida Presidente Tancredo Neves. V. Sebastião Cintra. Nomeclatura de Ruas de São João del-Rei. Juiz de Fora-MG, Zas Gráfica e Editora,1988, p.07. Nos periódicos é possível notar o aparecimento de novos estabelecimentos nesta rua através dos anúncios de casas comerciais. A rua localizada entre o prédio da Câmara Municipal (atual Prefeitura) e a estação ferroviária também concentrou grande parte destas casas comerciais, neta rua localizavam-se o Hotel Oeste, juntamente com a sede da companhia, o Teatro Municipal (1909), casa inglesa de importação e exportação “Hopkins and Hopkins”, com sede no Rio de Janeiro, entre outras. A região próxima a estação ferroviária tornou a mais dinâmica da cidade dos dois lados do Córrego do Lenheiro.
[3] V. José Miguel Arias Neto. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
[4] “A Pátria Mineira”. Várias edições.
[5] “A Opinião”. Várias edições.
Antônio Gaio Sobrinho. História do Comércio em São João del-Rei. São João del-Rei-MG. Edição do autor, 1997.
Augusto Viegas. Notícia de São João del-Rei. 3ª ed., Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1969.
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