José Antônio de Ávila Sacramento
Estação Ferroviária de Águas Santas (foto do ano de 1956). Inaugurada em 1911, funcionou até 1966. Segundo Tarcísio José de Souza, o prédio era todo de Pinho de Riga, com armação de trilhos: "construção magnífica, feita com gosto apurado, pintada de cinza. Ficava no pé da serra de Tiradentes. Criminosamente foi demolida e sobre seus alicerces existe hoje um lago artificial. Não cabe na cabeça de ninguém decisões como esta.". (Foto: arquivo do autor).
Tocou a sineta, o Chefe apitou, agitando a bandeirinha verde, um longo apito da máquina, e começou aquele saudoso passeio. Marcha vagarosa, sem a velocidade dos nossos elétricos atuais, avançava a ‘14’ pela trilha rotineira. De preferência, viajávamos na plataforma dos carros, por ser mais agradável, apreciando os trilhos e dormentes que se distanciavam. Já havíamos passado por Chagas ia. Aproximávamos do Brighenti e do Giarola.
Em cada parada o guarda-freio, o Elisiário, descarregava sacos, sacolas e caixas. Ele era uma figura inesquecível, com seu espesso e longo bigode, a fazer caretas para as crianças. Umas gostavam, outras choravam assustadas. Também com os adultos ele fazia as suas brincadeiras. O Chefe do Trem, sr. Benvindo, esse era ‘durão’. Homem enérgico, exigente na sua função, não permitia que viajássemos ‘de graça’, nem mesmo nós, que na estação éramos Praticantes, isto é, éramos preparados para o cargo de Conferente. Somente no dia da folga dele é que, pela camaradagem de outro Chefe de Trem, viajávamos sem pagar. No entanto, o sr. Benvindo, que demonstrando uma fisionomia séria, foi e continua sendo um homem bom, íntegro de caráter e de responsabilidade, daí a razão de sua exigência.
O homem é o maior responsável pelo trabalho de destruição e de transformação da superfície terrestre. César de Pina, que naqueles dias era uma estação com bom afluxo de passageiros, pois fazia ligações com outros lugarejos próximos, hoje é uma casa velha, abandonada. Entre César de Pina e Água Santas, onde havia um leito de trilhos, há, atualmente, uma pista asfáltica, ladeada de bonitas casas de campo. Basta de divagações. Voltemos ao nosso passeio. Com mais alguns minutos chegávamos à estância balneária. Piscina velha, lodosa, mas que deixou-nos saudades profundas. Depois do banho, subíamos a serra, até dobramos do outro lado. Lá sentíamos o silêncio absoluto, quebrado apenas pelo canto de um ou outro pássaro. O caminho que dava acesso ao alto da montanha era calçado de pedras, dispostas em desalinho, mas que dava a idéia do seu uso, quem sabe, nos dias de Tomé Portes del-Rei, de Antônio Garcia da Cunha e de João de Siqueira Afonso.
Depois de algumas horas passadas ali, já no horário de almoço, retornávamos, no trenzinho romântico, a São João, com um apetite voraz, causado pelo banho de piscina, pelo corre-corre e pelo galgar da serra.
Nas paradas dava-se o embarque dos passageiros e o recolhimento das verduras, das frutas e das latas de leite. Afinal chegávamos ao nosso ponto de origem. A viagem terminara. Seguiram-se muitas e muitas outras, curtas mas gostosas, que também chegaram ao seu fim. Hoje tudo acabou. Não há mais viagens, não há mais trenzinho, a locomotiva 14 foi desmontada para sucata, o Elisiário já desfruta das moradas celestiais. O sr. Benvindo está, com seus familiares, desfrutando, tranqüila e saudavelmente, os seus anos de vida que a aposentadoria lhe garantiu, consciente do cumprimento de seu dever. A nós, pela evolução da vida, ao gozarmos as delícias das instalações modernas das Águas Santas, o fazemos, não mais pela via férrea, mas no nosso carro, conservando apenas as gratas recordações dos anos que se passaram
”.
Assim, rendo as minhas maiores e melhores homenagens ao confrade Moreira (que deve ser considerado o verdadeiro autor deste artigo!) e apresento aos meus leitores[2] um formidável registro para a memória ferroviária de São João del-Rei!
José Augusto Moreira[1], meu confrade de Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, através de um belíssimo e histórico depoimento, conta que “eram sete horas da manhã de um dia qualquer da década de 40. Na estação, o trenzinho das Águas Santas recebia as pessoas, que se demandavam em busca de aprazíveis horas no balneário. A locomotiva nº 14, soltando suas baforadas de vapor, como um dragão pronto para o ataque, ela alimentada, continuamente, pelo foguista.
Tocou a sineta, o Chefe apitou, agitando a bandeirinha verde, um longo apito da máquina, e começou aquele saudoso passeio. Marcha vagarosa, sem a velocidade dos nossos elétricos atuais, avançava a ‘14’ pela trilha rotineira. De preferência, viajávamos na plataforma dos carros, por ser mais agradável, apreciando os trilhos e dormentes que se distanciavam. Já havíamos passado por Chagas ia. Aproximávamos do Brighenti e do Giarola.
Em cada parada o guarda-freio, o Elisiário, descarregava sacos, sacolas e caixas. Ele era uma figura inesquecível, com seu espesso e longo bigode, a fazer caretas para as crianças. Umas gostavam, outras choravam assustadas. Também com os adultos ele fazia as suas brincadeiras. O Chefe do Trem, sr. Benvindo, esse era ‘durão’. Homem enérgico, exigente na sua função, não permitia que viajássemos ‘de graça’, nem mesmo nós, que na estação éramos Praticantes, isto é, éramos preparados para o cargo de Conferente. Somente no dia da folga dele é que, pela camaradagem de outro Chefe de Trem, viajávamos sem pagar. No entanto, o sr. Benvindo, que demonstrando uma fisionomia séria, foi e continua sendo um homem bom, íntegro de caráter e de responsabilidade, daí a razão de sua exigência.
O homem é o maior responsável pelo trabalho de destruição e de transformação da superfície terrestre. César de Pina, que naqueles dias era uma estação com bom afluxo de passageiros, pois fazia ligações com outros lugarejos próximos, hoje é uma casa velha, abandonada. Entre César de Pina e Água Santas, onde havia um leito de trilhos, há, atualmente, uma pista asfáltica, ladeada de bonitas casas de campo. Basta de divagações. Voltemos ao nosso passeio. Com mais alguns minutos chegávamos à estância balneária. Piscina velha, lodosa, mas que deixou-nos saudades profundas. Depois do banho, subíamos a serra, até dobramos do outro lado. Lá sentíamos o silêncio absoluto, quebrado apenas pelo canto de um ou outro pássaro. O caminho que dava acesso ao alto da montanha era calçado de pedras, dispostas em desalinho, mas que dava a idéia do seu uso, quem sabe, nos dias de Tomé Portes del-Rei, de Antônio Garcia da Cunha e de João de Siqueira Afonso.
Depois de algumas horas passadas ali, já no horário de almoço, retornávamos, no trenzinho romântico, a São João, com um apetite voraz, causado pelo banho de piscina, pelo corre-corre e pelo galgar da serra.
Nas paradas dava-se o embarque dos passageiros e o recolhimento das verduras, das frutas e das latas de leite. Afinal chegávamos ao nosso ponto de origem. A viagem terminara. Seguiram-se muitas e muitas outras, curtas mas gostosas, que também chegaram ao seu fim. Hoje tudo acabou. Não há mais viagens, não há mais trenzinho, a locomotiva 14 foi desmontada para sucata, o Elisiário já desfruta das moradas celestiais. O sr. Benvindo está, com seus familiares, desfrutando, tranqüila e saudavelmente, os seus anos de vida que a aposentadoria lhe garantiu, consciente do cumprimento de seu dever. A nós, pela evolução da vida, ao gozarmos as delícias das instalações modernas das Águas Santas, o fazemos, não mais pela via férrea, mas no nosso carro, conservando apenas as gratas recordações dos anos que se passaram
Assim, rendo as minhas maiores e melhores homenagens ao confrade Moreira (que deve ser considerado o verdadeiro autor deste artigo!) e apresento aos meus leitores[2] um formidável registro para a memória ferroviária de São João del-Rei!
NOTAS:
[1] Sócio Efetivo do IHG, titular da cadeira nº 27, cujo patrono é Gentil Palhares (atualmente encontra-se licenciado por motivos de saúde).
[1] Sócio Efetivo do IHG, titular da cadeira nº 27, cujo patrono é Gentil Palhares (atualmente encontra-se licenciado por motivos de saúde).
[2] Este artigo foi publicado originalmente no Jornal de Minas (São João del-Rei - MG, Edição 116, Ano IX, 01 a 07 de janeiro de 2010), editado por Neudon Bosco Barbosa.