sábado, 23 de janeiro de 2010

As transformações da ferrovia através de fotos

Por: Welber Santos


Antes de entrar no universo da pesquisa histórica, achava muito confuso a dança de siglas que apareciam, referentes à ferrovia, na cidade em que nasci e cresci.
Da Praça dos Ferroviários, via a sigla EFOM estampada na fachada frontal da estação, que me disseram que era Estrada de Ferro Oeste de Minas. Mais tarde ganhei uma camiseta com uma locomotiva estampada, onde via a sigla RMV, que me revelaram ser de Rede Mineira de Viação. Nas visitas ao museu ferroviário, via também o RFFSA, com aquela logomarca inconfundível, que todos sabem ser da Rede Ferroviária Federal. O problema era que eu achava que tudo isso coexistia e estava um subordinado ao outro, ninguém conseguia me explicar o real significado de tantas siglas. Para piorar a situação, reparei que as fotografias do album do meu irmão mais velho, que iniciou a carreira de maquinista em São João del-Rei na década de 70, indicavam a existência de mais uma sigla estampada nas locomotivas, o VFCO. O que me intrigava era que apareciam a cada dia novas fotos, das mesmas locomotivas, cada vez com uma dessas siglas.
Foi quando conheci o meu amigo Hugo Caramuru que a coisa tomou uma ordem, fui compreender que era tudo parte de um processo de transformação que havia alcançado a centena de anos. Foi quando entendi o quanto tudo em minha volta era obsoleto, atrasado, anacrônico e deveras encantador. Em minha lógica e entendimento do mundo, quando meu irmão maquinista dizia que as locomotivas não funcionavam mais a lenha e sim a óleo BPF, logo achei que eram substituídas, que havia ocorrido uma "modernização" da frota durante o século XX. Aos poucos descobri que não era isso.
E lá fui eu reparar num objeto em que ainda não havia dado a devida atenção: a placa redonda que havia na lateral das locomotivas, que fui descobrir ser a identidade do veículo, sua certidão de nascimento, onde podemos saber quem fabricou, onde e quando. Fui descobrir que as locomotivas que eu assistia passar desde a infância já eram "senhoras" realmente idosas.
Placa da locomotiva EFOM 32, RMV-Oeste 210, RMV 60, VFCO 60, RFFSA 60. Foto: Jonas Carvalho
Placa da locomotiva EFOM 16, RMV-Oeste 216, RMV 66, VFCO 66, RFFSA 66. Foto: Jonas Carvalho
Placa da locomotiva EFOM 1, RMV-Oeste 1, RMV 1. Foto: Jonas Carvalho
Placa da locomotiva EFOM 44, RMV-Oeste 112, RMV 42, VFCO 42, RFFSA 42. Foto: Hugo Caramuru
O caráter de pequena ferrovia voltada para o mercado interno, com baixo fluxo de tráfego, sem grandes necessidades de investimentos em atualização tecnológica, levou à permanência das mesmas locomotivas em utilização do princípio da ferrovia, quando era a E. F. Oeste de Minas até a erradicação da linha em 1984, sob a administração da Superintendência Regional 2 (SR-2) da RFFSA. De 1920 até a extinção do tráfego comercial e industrial da ferrovia na penúltima década do século XX, praticamente nada mudou em termos técnicos no funcionamento da ferrovia que observamos. O que mudou foram as administrações da mesma ao longo do tempo, o que pode ser observado nas fotografias das locomotivas ao longo do tempo.



A locomotiva nº1 em várias datas diferentes (de cima para baixo): 1880 (foto: BLW); década de 40 (foto: coleção Hugo Caramuru), 1980 (foto: RFFSA) e 2009 (foto: Jonas Carvalho). Vemos duas fases distintas: EFOM e RMV, esta máquina foi retirada de serviço na década de 1950.
A locomotiva nº5 em duas datas muito diferentes (de cima para baixo): 1887 (foto: BLW) e década de 70 (foto: coleção Hugo Caramuru). Ironicamente, esta máquina aparece justamente com a foto de nascimento e com a última antes de ser sucateada, são as duas únicas fotos até hoje encontradas com esta unidade.


A locomotiva acima também em datas diferentes (de cima para baixo): 1912 (foto: BLW); década de 70 (foto: coleção Hugo Caramuru), por volta de 1982 (foto: coleção Hugo Caramuru) e década de 90 (foto: autor ignorado). Vemos três fases distintas: EFOM, VFCO e RFFSA SR-2.



Estranhamente não encontrei fotografia desta na fase RMV, mas cá está (de cima para baixo): início da década de 30 (coleção ASPEF) e início da década de 90 (fotos: Hugo Caramuru)

É assim, através das pinturas das locomotivas, que descobrimos, mais ou menos, quando se dá a mudança das administrações da ferrovia, a passagem de uma empresa para outra.
Se a Oeste de Minas surge como companhia de capital privado no século XIX, pelas contas dívidas acumuladas e saldos negativos nas contas, com despesas que superavam as receitas ano a ano, ela entra o século XX como uma nova estatal, já que fora encampada pelo governo federal depois de decretada a falência em 1898, e arrematada pelo mesmo em 1903, em hasta pública.
Em 1931 o governo do Estado de Minas Gerais arrenda a estrada junto ao governo federal, o que é visível na pintura das locomotivas que passam a ser parte do sistema RMV-Oeste, o que corresponde a ser parte da E. F. Oeste de Minas, na divisão que tem também a RMV-Sul, correspondente à parte arrendada da antiga Rede Sul Mineira (Estradas de Ferro Federais - RSM).
Como parte da RMV também havia a divisão Sul, correspondente à Rede Sul Mineira: início da década de 30 (fotos: Viallet)
A Rede Mineira de Viação é iniciada com as administações distintas entre Sul e Oeste, mas logo ocorre a unificação do sistema, uma integração como tal. Isso se reflete na renumeração das locomotivas da rede, que passam a unificar toda a frota, numa fusão definitiva entre Oeste de Minas e Rede Sul Mineira (chamada Estrada de Ferro Sul de Minas quando criada a RMV). Por isso vemos tantos números diferentes para a mesma locomotiva. Se bem que a primeira renumeração se dá por causa do critério de rodagem das locomotivas. Quando adquiridas eram numeradas de acordo com a encomenda, seguindo a sequência de ordem cronológica, independentemente do tipo de locomotiva adquirida.
Na década de 1920, a Oeste renumera suas locomotivas de acordo com o tipo de rodagem, quais sejam: as do tipo American (4-4-0) recebem os números de um e dois algarismos (1 a 22); as Ten-Wheeler (4-6-0) recebem os números da série 100 (100 a 113), e as Consolidation (2-8-0) ficam com a série 200 (200 a 221). Com o advento da RMV, a série 100 passa a ser de 30 a 43, e a série 200 de 50 a 71.
Esses dados refletem a ausência de crescimento da malha em bitola de 0,76m. A própria numeração das locomotivas indica, ao menos aparentemente, não haver um projeto de ampliação da frota, reflexo da baixa importência econômica da região alcançada pelos trilhos da chamada "bitolinha".
As locomotivas 53 e 51 (de cima para baixo) foram unidades que sofreram baixa no período da RMV. Na imagem superior temos o último trem que partiu da estação de Pitangui, início da década de 60.
Em 1953 ocorre a devolução da RMV à União, em 1957 é criada a Rede Ferroviária Federal para administrar as estradas de ferro que pertenciam ao governo federal. Em 1965, em reorganização administrativa, a RMV é fundida à Estrada de Ferro Goiás (EFG) e à Estrada de Ferro Bahia a Minas (EFBM), passando a ser Viação Férrea Centro-Oeste (VFCO)., e depois 5ª Divisão Centro-Oeste.
As locomotivas 38 e 43 (de cima para baixo) estão entre as "sobreviventes" da EFOM. Fotos: Popó (38) e coleção de Hugo Caramuru (43).
Quando desativada a ferrovia, as quinze locomotivas operacionais já se encontravam pintadas no último padrão, o da RFFSA. Para a sorte dos que têm como hobby a apreciação de locomotivas a vapor, cá temos quinze exemplares guardados (nem todos inteiros, não custa lembrar).
Inventário das locomotivas da E. F. Oeste de Minas - bitola de 762mm (2 pés e 1/2)

ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS

Locomotivas da bitola de 2 pés e 6 polegadas (0,76m)


E. F. Oeste de Minas
RMV
VFCO
RFFSA







1º Num
2º Num
Num.
Num.
Num.
Fabricante
Ano.mês
Nº Placa
Rodagem
Tipo
Observações

1
1
1
1
1
BLW
1880.abr
5055
4 4 0
American
"São João del Rey"

2
2
2
sucateada

BLW
1880.abr
5057
4 4 0
American


3
3
3
sucateada

BLW
1881.fev
5506
4 4 0
American


4
4
4
sucateada

BLW
1881.fev
5502
4 4 0
American


5
5
5
5
sucateada
BLW
1887.jan
8330
4 4 0
American
"Rio Grande"

6
6
6
sucateada

BLW
1887.mar
8470
4 4 0
American
"Rio São Francisco"

7
7
7
sucateada

BLW
1887.abr
8516
4 4 0
American
"Lavras"

8
8
8
sucateada

BLW
1887.ND
8639
4 4 0
American
"Oliveira"

9
105
35
sucateada

BLW
1889.jul
10138
4 6 0
Ten-Wheeler
"Manoel Barbosa"

10
106
36
sucateada

BLW
1889.jul
10139
4 6 0
Ten-Wheeler
"Henrique Galvão"

11
9
9
sucateada

BLW
1889.jul
10142
4 4 0
American
"Pitanguy"

12
10
10
sucateada

BLW
1889.jul
10143
4 4 0
American
"Itapecerica"

13
213
63
63
sucateada
BLW
1889.dez
10497
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Piumhy"

14
214
64
sucateada

BLW
1889.dez
10498
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Araxá"

15
215
65
sucateada

BLW
1889.dez
10500
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Campo Belo"

16
216
66
66
66
BLW
1889.dez
10505
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Inhauma"

17
16
16
sucateada

BLW
1891.dez
11594
4 4 0
American
Vauclain Compound "Abaeté"

18
18*
15
sucateada

BLW
1891.fev
11608
4 6 0/4 4 0
T. Wheel./ Amer.
Vauclain Compound "Indaya"

19
12
12
sucateada

BLW
1892.mai
12660
4 4 0
American
Vauclain Compound "Paulo Freitas"

20




BLW
1892.mai
12644
4 4 0
American
Vauclain Compound "Joaquim Castro"

21
17
17
sucateada

BLW
1892.mai
12656
4 4 0
American
Vauclain Compound "Hermillo Alves"

22




BLW
1892.mai
12666
4 4 0
American
Vauclain Compound "Alberto Isaacson"

23
103
53
sucateada

BLW
1892.abr
12636
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Toscano de brito"

24
104
54
sucateada

BLW
1892.abr
12637
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Pinto Mendes"

25
211
61
sucateada

BLW
1892.set
12925
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Cerqueira Lima"

26
205
55
55
55?
BLW
1892.set
12934
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Albadia"

27
206
56
sucateada

BLW
1892.set
12942
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Antonio Guedes"

28
207
57
sucateada

BLW
1892.set
12943
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Xavier Pereira"

29
208
58
58
58
BLW
1893.nov
13829
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Paraopeba"

30
209
59
sucateada

BLW
1893.nov
13830
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Abbadia"

31
212
62
62
62
BLW
1893.nov
13831
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Afonso Penna"

32
210
60
60
60
BLW
1893.nov
13832
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Randolfo Paya"

33
217
69
69
69
BLW
1894.out
14134
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Dr. Castro"

34
218
70
70
sucateada?
BLW
1894.out
14135
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Marcos Castro"

35
13
13
sucateada

BLW
1894.nov
14167
4 4 0
American
Vauclain Compound "Marcos de Castro"

36
14
14
sucateada

BLW
1894.nov
14168
4 4 0
American
Vauclain Compound "Bias Fortes"

37
219
71
71
sucateada
BLW
1894.nov
14169
2 8 0
Consolidation
Vauclain Compound "Mendes Junior"

20
18
18
18
18
BLW
1908.jul
32877
4 4 0
American


22
19
19
19
22*
BLW
1908.jul
32878
4 4 0
American


38
11
11
sucateada

EFOM
1910.ND
1
4 4 0
American


39
107
37
37
37
BLW
1911.out
37082
4 6 0
Ten-Wheeler


40
108
38
38
38
BLW
1911.out
37083
4 6 0
Ten-Wheeler


41
109
39
39
sucateada
BLW
1911.out
37084
4 6 0
Ten-Wheeler


42
110
40
40
40
BLW
1912.jul
38010
4 6 0
Ten-Wheeler


43
111
41
41
41
BLW
1912.jul
38011
4 6 0
Ten-Wheeler


44
112
42
42
42
BLW
1912.jul
38050
4 6 0
Ten-Wheeler


45
113
43
43
43
BLW
1912.jul
38051
4 6 0
Ten-Wheeler


46
20
20
20
20
BLW
1912.jul
38007
4 4 0
American


47
21
21
21
21
BLW
1912.jul
38008
4 4 0
American


48
22
22
22
19*
BLW
1912.jul
38009
4 4 0
American
Shopping Estação, Curitiba - PR

49
100
33
sucateada

BLW
1913.nov
40871
4 6 0
Ten-Wheeler


50
101
34
sucateada

BLW
1913.nov
40872
4 6 0
Ten-Wheeler


51
102
30
sucateada

BLW
1913.nov
40873
4 6 0
Ten-Wheeler


52
200
50
sucateada

ALCO
1913.ND
54386
2 8 0
Consolidation


53
201
51
sucateada

ALCO
1913.ND
54387
2 8 0
Consolidation


54
202
52
sucateada

ALCO
1913.ND
54388
2 8 0
Consolidation


55
220
67
sucateada

EFOM
1920.ND
2
2 8 0
Consolidation


56
221
68
68
68
BLW
1919.set
52256
2 8 0
Consolidation


60
103
31
sucateada

BLW
1919.set
52360
4 6 0
Ten-Wheeler


61
104
32
sucateada

BLW
1919.set
52361
4 6 0
Ten-Wheeler