terça-feira, 18 de outubro de 2011

A restauração da locomotiva #522 da Rede Mineira de Viação (parte 1)

Publicado originalmente no Blog Trilhos do Oeste 


A Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), salvou vasto material rodante da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), Ferrovias Paulistas S.A. e outras ferrovias, algumas particulares, do sucateamento. Tendo adquirido em forma de comodato, junto à União, várias dessas peças, a segunda fase consistia em dar à elas nova vida, pela intervenção do restauro à condição operacional.
O trabalho de recuperação de tal patrimônio vem ocorrendo desde a década de 1980, durante 30 anos muitas locomotivas, além de carros, vagões e outros tipos de rodante, voltaram aos trilhos em condições de tráfego, utilizados nos vários trechos sob a salvaguarda da entidade. E muitas das peças salvas ainda aguardam sua vez de voltar ao movimento. Entre essas está a mikado nº 522, que originalmente foi a locomotiva nº 300 da Rede Sul Mineira, junto com a Estrada de Ferro Oeste de Minas, uma das formadoras da Rede Mineira de Viação.

A locomotiva RFFSA SR-2 nº 522 em sua função de "carrasca" no pátio de Barra Mansa, RJ, em abril de 1980. Foto Acervo NEOM-ABPF.

Locomotiva RMV 522

A 522 é uma das locomotivas que até hoje esperavam sua vez de voltar às condições de espalhar o vapor pelas linhas do Sul de Minas, ou, possivelmente, por outos cantos em que a ABPF atua. Ironicamente (sempre há algo irônico em relação à preservação ferroviária no Brasil), esta era a locomotiva responsável, em Barra mansa, RJ, pela movimentação de suas congêneres em direção ao massarico de corte, daí vem o apelido "carrasca".
Antes de chegar aos pátios da ABPF, a 522 passou pela rotunda de Ribeirão Vermelho, MG, onde permaneceu por algum tempo sob sol, chuva, e todo sucesso de abandono, até ser levada para o pátio da já desativada Estação de Jaguariúna, junto com todo o material cedido pela RFFSA à ABPF na primeira metade da década de 1980.

Segundo Felipe Sanches, do blog da ABPF Sul de Minas:

"Em 1984 ela saiu de Jaguariúna velha (ponto final hoje da VFCJ) e foi transferia para Jaguariúna nova e depois seguiu para estação Barra Funda em São Paulo. Com a reforma da estação Barra Funda ela foi transferida para estação Presidente Altino juntamente com a locomotiva 332 e a 338 (hoje operando na VFCJ). (...)
Esta locomotiva foi transferida da regional de Campinas para a regional de Cruzeiro no inicio dos anos 90 (quando se encontrava em Presidente Altino), chegou em Cruzeiro de trem (pelas linhas da SR3) e como não existia guindastes adequados para descarrega-la ela acabou sendo descarregada dentro da Amsted Maxion (na época ainda FNV ou Fábrica Nacional de Vagões).
A locomotiva ficou guardada na fábrica por vários anos e por volta do ano 2000 com a regional já bem estruturada e com local adequado para armazenamento ela foi então retirada da fábrica e colocada no pátio da estação de Cruzeiro, nas dependências das Oficinas de Cruzeiro."
A ABPF prevê que a unidade retorne ao funcionamento no início do próximo ano (2012) para operar no trecho Passa Quatro - Túnel da Mantiqueira, divisa dos estados de MG e SP.

Ficha Técnica
Fabricante: American Locomotive Company - Schenectady Works 
Ano de fabricação: 1926 
Placa: 66747 
Tipo: Mikado (2-8-2)
Bitola: 1,00m (3' 3/8")
Expansão do vapor: Simples
Produção de vapor: Superaquecido
Válvula de distribuição do vapor: tipo Walschaertz
Combustível: lenha (madeira) ou carvão  (convertida em óleo BPF na década de 1950 devido à escassez e encarecimento da lenha)
Numeração
Original: Rede Sul Mineira nº 300
Segundo: Rede Mineira de Viação nº522
Obs: O nº 522 foi o definitivo, sendo que esta locomotiva foi mantida em serviço até a dieselização final dos quadros da SR-2 da RFFSA (exceção da "bitolinha"). Portanto, passou pelas fases RMV 522, RFFSA/RMV 522, RFFSA/VFCO 522 e RFFSA SR-2 522.

"...ainda que se possa falar em tantos e diversos meios para se empreender uma restauração, somente se pode afirmar que as intervenções sobre bens culturais sejam verdadeiramente restauro quando sua finalidade última seja a conservação e transmissão ao futuro de tais bens, pois 'per ogni monumento danneggiato o perduto, a causa d'interventi impropri, non c'è rimedio; [...] l'originalità di ciò che s'e perso rimarrà per sempre irrecuperabile'*, dado que sejam únicos e irrepetíveis." [1]

As teorias do restauro, em que se pese a prática do Istituto Centrale del Restauro e a elaboração textual de seu fundador, Cesare Brandi, por mais que não dêem conta de todos os problemas relativos ao campo, especialmente em se tratando do tão novo e pouco estabelecido como conceito, o "Patrimônio Industrial", possue capítulos que podem facilmente ser úteis ao ato de restauro de bens culturais provenientes do período industrial. 
Neste sentido, a ferrovia cumpre um papel destacado no campo e, como será fácil notar, as locomotivas a vapor, um dos principais produtos desse período, sobressaem sobre a maior parte dos bens móveis legados pela industrialização.
Criei este post, que é o primeiro de quantos forem necessários, para ilustrar aos leitores do Gaxeta como se dá a recuperação de uma locomotiva e, juntamente e paralelamente à locomotiva nº 20 da Denver & Rio Grande Southern, mostrar que não é uma tarefa simples de se realizar, no entanto, também não impossível, além de as técnicas serem mais ou menos padronizadas, independentemente dos recursos disponíveis. Em outras palavras, o trabalho realizado pela ABPF em nada deve ao realizado pela Strasburg Rail Road.





522 em Cruzeiro, SP, 2003, onde será restaurada pela equipe da ABPF - Regional Sul de Minas. Foto de Felipe Sanches.


Em 2005, ainda no aguardo dos trabalhos de restauro. Foto Acervo NEOM-ABPF.





Teste hidrostático, que permite verificar os possíveis vazamentos na caldeira, principal peça da locomotiva a vapor, montada com a técnica de rebites. Nesta ocasião pode-se detectar problemas principalmente nos estais que suportam a caixa de fogo (fornalha), tubulação e espelhos da caldeira propriamente dita. Foto de Felipe Sanches.
Vazamento detectado em um dos tubos de superaquecimento, que são os de maior diâmetro, em relação aos tubos de vapor saturado, de menor diâmetro. Foto de Felipe Sanches.
Interior de um dos cilindros. Pelo tempo em que a locomotiva permaneceu parada ocorreu o acúmulo de resíduos. Foto de Felipe Sanches.
Aqui podemos ver o interior da caixa de fumaça. Os tubos de menor diâmetro são os de vapor saturado, os tubos de maior diâmetro são os que devem receber as serpentinas por onde o vapor saturado retorna à caldeira para o superaquecimento. A base do superaquecedor (Superheater) suporta todas as serpentinas e os coletores que conduzem o vapor já superaquecido aos cilindros. Foto de Felipe Sanches.
As pecto da caixa de fumaça já sem as serpentinas de superaquecimento e os coletores. Foto de Felipe Sanches.
Início do trabalho de remoção dos tubos, pelo lado da fornalha. Foto de Felipe Sanches.
A vida útil da caldeira, graças ao advento da solda elétrica e todas as suas variáveis, ganhará novo fôlego com a confecção de novos espelhos. Foto de Felipe Sanches.
O serviço de caldeiraria permite, além da troca da tubulação, a limpeza do interior da caldeira, como se vê nesta imagem com os resíduos. Foto de Felipe Sanches.
Aguardaremos cenas dos próximos capítulos.


O Trilhos do Oeste agradece aos colegas Felipe Sanches, Bruno Sanches, Jorge Sanches, Sérgio Romano e Hélio Gazetta pelas informações e disponibilização das imagens encontradas no Blog da ABPF - Regional Sul de Minas.


Aguardamos a evolução dos trabalhos e imagens para a parte 2.




* "para o monumento danificado ou perdido por causa da intervenção indevida não há remédio; [...] a originalidade do que foi perdido será sempre incorrigível" (Giovanni Carbonara - arquiteto, Diretor do ICR e professor da Universidade de Roma "La Sapienzza")
[1] CUNHA, Cláudia dos Reis. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010, p.19.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Locomotivas “Vauclain Compund” na E.F.O.M. II


Por Jonas Augusto Martins de Carvalho
 
Além das 20 locomotivas de expansão mista na bitola de 0,76m, a E.F.O.M. adquiriu duas unidades de bitola métrica.
Fabricadas pela Baldwin Locomotive Works em 1893, a locomotiva nº 1, batizada como “Traituba” foi construída sob o número de ordem 13246 e a nº 2 sob o número de ordem de fabricação 13240, sendo ambas da Classe 8-9/15-C, 4-4-0 “American Compound” com cilindros de alta pressão de 9” e baixa de 15” por 20” de curso. A nº 1 posteriormente foi renumerada como 43 ainda na EFOM. Desconhece-se o paradeiro desta locomotiva, sabe-se que a mesma não chegou na “fase” RMV.
.
Acervo ABPF/NEOM
- Locomotiva nº 1 da métrica: 4-4-0 Vauclain Compound no girador da rotunda de Ribeirão Vermelho em 1902

Com a transferência dos trechos Barra Mansa a Cedro (hoje Passa Vinte) e o de Barra Mansa a Rio Claro para a E.F.C.B. com todo material fixo e rodante, em virtude da determinação contida no aviso n. 10, de 3 de junho de 1904, as locomotivas 2, 6 e 7 foram incorporadas pela Central, não retornando mais à EFOM e nem a sucessora RMV, pois o aviso n. 122 que devolveu à Estrada de Ferro Oeste de Minas os trechos de Barra Mansa a Angra dos Reis e Barra Mansa a Cedro, publicado no Diário Official de 5 de outubro de 1909, contemplava apenas a via férrea e respectivos imóveis, ficando o material rodante para a Central, o que veio a criar uma deficiência no quadro de tração da Oeste de Minas. 
Sabe-se que a locomotiva nº2 foi transferida para a E.F.T. – Estrada de Ferro Terezópolis - onde recebeu o nº3. Posteriormente, esta locomotiva recebeu o n°1023 na E.F.C.B. – Estrada de Ferro Central do Brasil.


 
- Quadro de locomotivas de bitola métrica da EFOM – Dezembro de 1904.

Diante da deficiência no parque de tração, em 1905 as locomotivas nº20 e nº 22 da bitola 0,76m, fabricadas pela Baldwin em maio de 1892, ambas 4-4-0 Vauclain Compound, foram convertidas para bitola de 1m e simples expansão, recebendo os números 2 e 6 respectivamente (completando as lacunas deixadas pelas primeiras nº2 e nº6), sendo então empregadas no trecho mineiro da ferrovia. 
A carreira destas locomotivas bem como destino seu final na E.F.C.B. são desconhecidos para nós. Caso algum leitor possua alguma informação ou fotografia dessas locomotivas, por gentileza, entre em contato conosco.