sábado, 17 de março de 2012

As "gigantes" da Rede Mineira de Viação


Por Jonas Augusto Martins de Carvalho

Após a Segunda Guerra Mundial, grande parte das ferrovias brasileiras encontrava-se defasada em termos de material rodante, principalmente com relação a seus parques de tração, já a longos anos sem investimentos. As velhas locomotivas além de obsoletas, já estavam desgastadas, sendo, portanto incapazes de atender a demanda de transporte existente.
Para remediar a situação, o Governo Federal, através do então DNEF – Departamento Nacional de Estradas de Ferro adquiriu modernas locomotivas a vapor para serem empregadas nas ferrovias brasileiras. A Rede Mineira de Viação foi uma das ferrovias “agraciadas” com tais locomotivas.
Em 1946 a Rede Mineira de Viação recebeu 4 locomotivas rodagem 4-8-4 “Northen” do fabricante norte-americano Baldwin, sendo numeradas de 600 a 603.

Acervo ABPF/NEOM
 - A equipagem observa as braçagens da “enorme” locomotiva nº 600 da RMV.

Essas locomotivas eram uma versão “em escala” das 4-8-4 de bitola padrão então em uso nos EUA, incluindo todos os avanços tecnológicos daquela época. Informações dão conta de que essas locomotivas teriam sido compradas como "excedente de guerra" do governo norte-americano, o qual as encomendou para uso em uma possível invasão ao Japão em 1945.
O que provavelmente ocorreu foi que este "projeto" de locomotiva foi desenvolvido com o propósito da suposta invasão ao Japão, mas no entanto, nenhuma locomotiva foi de fato construída. O que deve ter acontecido é este projeto ter sido oferecido ao Brasil, e, de acordo com o Termo de Contrato firmado com o fabricante Baldwin Locomotive Works, as especificações para a construção das locomotivas de foi feita de acordo com a especificação técnica A-13363 (A-treze mil trezentos e sessenta e três) tendo o DNEF solicitado apenas pequenas modificações.

Acervo ABPF/NEOM
 -Funcionários do depósito de Ribeirão Vermelho posam ao lado da 4-8-4 nº 601 em fins dos anos 40.


As “enormes” caldeiras trabalhavam com 235lbs de pressão, geradas por fornalhas com 5,252m² de área de grelhas, 112 tubos de fogo e 32 de superaquecimento. Com peso médio por eixo de 13.080kg, em ordem de marcha essas locomotivas chegavam a pesar 173 toneladas e desenvolviam 13.925kg de esforço de tração, sendo as mais possantes da RMV em se tratando de tração a vapor.

Acervo ABPF/NEOM

- Locomotiva nº 602 no pátio da estação de Rutilo em 1950.


Com seus 3,90m de altura, 25,31m de comprimento e 2,80m de largura, essas foram as maiores locomotivas já vistas na RMV, sendo apelidadas pelos funcionários da ferrovia como “Virginiam”. Causavam um sentimento ambíguo, sendo admiradas por sua imponência e desenho moderno e ao mesmo tempo temidas por sua “gigantez”. Foram destinadas ao tráfego de calcáreo de Arcos (MG) para Volta Redonda (RJ), no trecho até Ribeirão Vermelho.
Com o preço elevado do carvão importado e a baixa qualidade do carvão nacional, aliados a contenção de despesas da ferrovia, essas locomotivas passaram a trabalhar com uma mistura pobre de carvão nacional e lenha, reduzindo assim drasticamente o seu desempenho. Outro problema foi o fato de as curvas serem muito “apertadas” o que acarretou além de inúmeros acidentes, a remoção dos stokers de alimentação mecânica das fornalhas , exigindo portanto o trabalho árduo de dois foguistas.

Acervo ABPF/NEOM
 - Por volta de 1957, uma das 4-8-4 Baldwin foi flagrada em um dos constantes descarrilamentos pelos quais essas locomotivas passaram durante sua breve carreira na RMV.

Em 1956-57, essas locomotivas foram convertidas para queima de óleo combustível otimizando assim seu desempenho. A exceção foi a nº 603 a qual havia sido retirada de serviço em 1953 devido à fratura do cilindro esquerdo, nunca tendo sido reparada e permanecendo por longos anos encostada nas oficinas de Divinópolis.
O maior problema no entanto dessas “enormes” locomotivas eram as condições da via permanente, a qual não oferecia suporte a maquinas tão grandes e pesadas, sendo muito freqüentes os descarrilamentos e tombamentos.
O DNEF enviou novo reforço para o parque de tração da RMV em 1952. Dessa vez, chegaram as locomotivas obtidas na França, fabricadas pelo consórcio “GELSA” - Groupement d'Locomotivas Exportação de en Sud-Amerique, projetadas pelo famoso engenheiro francês André Chapelon.

Acervo ABPF/NEOM
- Locomotiva nº 550 em Ribeirão Vermelho, início dos anos 50.

Foram recebidas 6 locomotivas do tipo 2-8-4 “Berkshire” e 6 locomotivas do tipo 4-8-4 “Northen”, sendo numeradas como 550 a 555 e 650 a 655 respectivamente.

 Acervo ABPF/NEOM
- Locomotiva Nº 652, a “Francesona” como ficaram conhecidas as 4-8-4 francesas na RMV.

Essas locomotivas traziam o que havia de mais moderno na época de sua fabricação, representando o avanço máximo obtido no que se refere à tecnologia da tração a vapor. Eram locomotivas refinadas, se destacavam pela utilização dos defletores de fumaça e na RMV logo receberam apelidos. As 2-8-4 eram as “francesinhas” e as 4-8-4 as “francesonas”. Os defletores de fumaça também renderam a elas o apelido de “irmã de caridade”.
A história com as locomotivas francesas não foi muito diferente das 4-8-4 americanas, tendo sofrido com os mesmos problemas. Grandes e pesadas, a via não as suportava, resultando em uma série de acidentes.

 Acervo ABPF/NEOM
- A “Francesinha” nº 555 após o acidente ocorrido entre as estações de Timboré e de Bugios, em 10 de agosto de 1957. O trem transportava areia e brita para Lavras.

As Berkshire tinham 19,82m de comprimento, 3,77m de altura e 2,72m de largura. Com aproximadamente 10 toneladas de peso por eixo, em ordem de marcha o seu peso era de 123.500 kg. O esforço de tração desenvolvido no entanto pela caldeira de 215lbs de pressão, geradas por uma fornalha com grelha de 4m², era aquém das expectativas para locomotivas desse porte, desenvolviam apenas 10.000kg. As 2-8-0 Baldwin de 1923 da RMV desenvolviam 10.817kg pesando apenas 84.950kg em ordem de marcha com apenas 170lbs de pressão e fornalha com grelha de 1,63m².

Acervo ABPF/NEOM 
 - A 2-8-4 nº 551 em Ribeirão Vermelho em 15/03/1956.

Devido aos acidentes e com o intuito de “padronizar” a aparência das locomotivas, diversas alterações foram sendo feitas nessas locomotivas, como a retirada dos defletores de fumaça (ineficazes devido à baixa velocidade dos trens) e a abertura da chapa que fechava a frente da locomotiva abaixo da caixa de fumaça. As escadas para acesso ao estrado da caldeira também foram modificadas dando as locomotivas uma aparência mais “americanizada”.

Acervo ABPF/NEOM
- A locomotiva nº 550 em duas ocasiões: descarrilada a esquerda e em Ribeirão Vermelho a direita. Note a aparência “americanizada”, com a retirada dos defletores de fumaça e da carenagem abaixo da caixa de fumaça.

A manutenção dessas locomotivas francesas também se mostrou um pesadelo. Complicadas, muito refinadas, seguindo os padrões europeus, sua mecânica era mais frágil e complexa, resultando em manutenção mais constante e demorada.
As “enormes” 4-8-4 partilhavam dos mesmos problemas de suas irmãs menores, sendo agravados os casos de descarrilamentos e tombamentos devido ao peso e tamanho maiores. Com seus 25m de comprimento, 4,2m de altura e 2,8m de largura, 13 toneladas por eixo, chegavam a pesar 162 toneladas. A caldeira desenvolvia 285lbs de pressão com uma fornalha de 5,33m² de grelha resultando em um esforço de tração de 13.650kg. Ao contrário das 4-8-4 americanas, os stokers de alimentação foram mantidos e essas locomotivas nunca foram convertidas para combustão de óleo.

Acervo ABPF/NEOM
- Uma das “Francesonas” tombada próximo a Ribeirão Vermelho (note o terceiro trilho da bitolinha 76cm). Acidentes como esse eram constantes com essas locomotivas.


A partir de 1958, com a chegada das novas locomotivas diesel-elétricas da GM modelo G-8 as maiores locomotivas a vapor foram logo recolhidas. Neste mesmo ano, todas as 4-8-4 restantes, tanto as americanas quanto às francesas, foram desativadas e encostadas nas oficinas de Divinópolis onde já se encontrava a Baldwin nº 603 desde 1953. Em 1963/1964, chegaram as GM G-12 selando o destino das maiores locomotivas a vapor da RMV. Logo foram recolhidas todas as locomotivas francesas 2-8-4 que haviam resistido ainda em operação. As informações não são precisas, mas dão conta de que essas locomotivas não foram transferidas para outras ferrovias, tendo sido todas cortadas alguns anos depois nas referidas oficinas. Segundo Délio Araújo, em 1967 ainda havia uma 2-8-4 conservada como relíquia na rotunda de Ribeirão Vermelho.

15 comentários:

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    1. Agradecemos o apoio. Esse é um breve resumo de um dos muitos importantes capítulos da história ferroviária de Minas Gerais e do Brasil.

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    2. Sem dúvida alguma, agora, seria necessário que fosse divulgado sempre para que as pessoas que não conheceram e as que não conhecem hoje tomem conhecimento e passem a se preocupar mais com os bens da Nação, ou seja dela própria, senão..............................."o bicho leva" e a gente fica na mão.
      Waldir alves

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    3. Pois é nessa época era jovem, filho de ferroviário, e como morava bem próximo da via férrea, Formiga/MG, a todos se assustavam com aquela gigante parada perto da chave de desvio, pois vinha da cidade de Ribeirão Vermelho. Ali parado com os vagões , aguardava autorização para adentrar no interior do pátio ferroviário (Formiga). Daí, certamente fazia uma parada em algum lugar autorizado pelo funcionário guarda-chaves, passava por uma inspeção .e seguia para buscar o calcáreo em Arcos/MG, uns 40 Km dali, que se destinava a exportação no Porto de Angra dos Reis. Todos que moravam perto dali, se assustavam, com uma gigante parada ali próxima da travessia, rua com os trilhos da ferrovia, com 3 funcionários dentro. As locomotivas a vapor comuns contam com um maquinista e um foguista, contudo as gigantes contam com um maquinista e dois foguistas, dadas as exigências para atender as suas exigências de bom funcionamento. E assim foi até que esse exemplo deve ser dado para todos dada a sua importância , caso algum dia você queira ser um ferroviário............mas tem muita história para contar.........!!!!!!!!
      Waldir alves

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    4. Sim, a história é digna de um grande filme !!!!

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  2. É verdade que depois de cortadas, algumas peças dessas máquinas gigantes foram vendidas pela VFCO para servir como material de reposição na E.F Teresa Cristina?

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  3. Não há indícios documentais sobre tal afirmação, Sr. Minas Trains.

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  4. Quantas rodas possuia uma ten-wheel?

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  5. Não acredito que não sobrou nenhuma dessas pra contar história hj em dia, elas pareciam ser incríveis, pena que foram colocadas na mão de tolos idiotas.

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    1. Há pelo menos 3 ainda inteiras. Elas tinham sido arrendadas à Bolívia, atualmemte estão no museu ferroviário de Uyuni, na Bolívia.

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  6. Já li em outros meios que algumas delas foram para a Bolívia.

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  7. E a locomotiva abpf n°222 com apito maravilhoso

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  8. Uma pena a via não suportar as GELSA.
    Porém vejo como "lobby" a compra dessas locomotivas quando a "dieselização" já era realidade em diversos países.

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  9. Sim, essas reportagens com esse conteúdo precisam de serem mostradas, divulgadas largamente pois o povo desconhece esses absurdos, dignos de "decaptação" em Países mais severos. Dinheiro jogado fora em detrimento das necessidades de um povo que precisa de escolas, hospitais, assistência de toda natureza, para favorecimento de empresas privadas com o transporte e venda dos produtos transportados, no caso o calcáreo de Arcos, MG.

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