Por Jonas Augusto M. De Carvalho
Com a implantação
de ferrovias em terrenos difíceis, onde a via férrea encontrava condições
limitadas para sua construção, contornando da forma possível o relevo, o
gabarito final obtido era muitas vezes extremamente restritivo, sendo que o
material rodante a ser utilizado em tais vias era "refém" dessas
limitações.
Uma combinação
complexa resultava das péssimas condições dessas ferrovias: curvas de raios
muito curtos,
rampas e contra-rampas pesadas resultando em um enorme
desafio para os fabricantes de material rodante ferroviário, sobretudo de
locomotivas.
As locomotivas
necessárias para tais linhas férreas deveriam entregar o máximo esforço de
tração com a maior aderência possível para vencer os obstáculos impostos. Isso
implicava na adoção do maior número de eixos motores possível visando favorecer
a aderência da locomotiva nas rampas. Um problema: maior quantidade de eixos
motrizes implica em uma base rígida maior para a locomotiva o que a impede de
se inscrever em curvas apertadas como as que eram encontradas nessas ferrovias
de condições tão restritivas.
Diversas
experiências foram realizadas visando uma solução para este problema. Foram
desenvolvidos diversos sistemas de articulação para locomotivas, inclusive a
articulação dos eixos motrizes.
Será
abordado neste breve artigo o sistema Klien Lindner de articulação de eixos,
que é um dos mais conhecidos. Foi inventado e patenteado na Saxônia em 1890 por dois engenheiros ferroviários
alemães da Royal Saxon State Railways:
Ewald Klien e
Heinrich Lindner.
Apesar da fama do
sistema Klien Lindner e de ser apontado muitas das vezes como o "primeiro
do tipo", cabe esclarecer que um sistema muito semelhante
já havia sido desenvolvido na Inglaterra em 1881 por
Sir Arthur Percival Heywood, denominado
"eixo radial", tendo no entanto sido pouco difundido.
Conceito
A 'invenção" de Klien e Lindner
visava dar maior 'flexibilidade" às locomotivas, permitindo, assim, que
elas se inscrevessem em curvas de raio reduzido. A idéia consiste em um eixo
central fixo que recebe a força dos cilindros da locomotiva e transmite para um
eixo externo oco onde estão fixas as rodas. Esse eixo oco é capaz de girar
sobre o eixo interno permitindo assim que as rodas façam um ângulo para se
adequarem ao raio da curva.
O funcionamento desse sistema é
bastante simples: o eixo interno fixo trabalha como qualquer eixo convencional de locomotiva a vapor.
Montado em locomotivas com configuração "out-side frame" (longeirão
externo), é preso ao mesmo através dos mancais. Seus únicos movimentos são a rotação e o deslocamento vertical devido
ao funcionamento normal da suspensão da
locomotiva. Recebem o movimento das demais rodas motrizes convencionais
através das braçagens.
A engenhosidade
fica por conta do eixo oco externo,
montado sobre o eixo interno
atravéz de uma rótula central e um grande pino fixo que trabalha dentro de um
canal do eixo externo. Este pino transmite a força motriz do eixo interno para
o externo ao qual estão presas as rodas motrizes. Além disso, o eixo externo é
montado sobre braços radiais que
permitem que o mesmo e, consequentemente, as rodas movam-se lateralmente,
permitindo assim que a locomotiva se "adeque" às curvas. Ao entrar na
reta, o eixo externo retorna à posição "convencional" pois o mesmo é controlado
por molas centralizadoras que se
encarregam de sempre realinhá-los.
Para a utilização desse sistema, a
locomotiva precisava ser na configuração "outside-frame" e ter no mínimo 3 eixos motrizes. O eixos Klien
Lindner eram montados nas extremidades do conjunto motor (1º e último eixos)
sendo o(s) central(is) convencional(is).
Aplicação
O Klien Lindner foi mais aplicado em
bitolas estreitas (menores que 1m) sendo raros os casos de adoção em bitolas
largas. A configuração mais usual das locomotivas dotadas desse sistema era
0-8-0T.
O tipo mais
conhecido de locomotiva a utilizar esse sistema de eixos sem dúvida foram as
0-8-0T de bitola 0,60m "Brigadelok"
(locomotivas de brigada) fabricadas para o exército alemão entre 1905 e 1919.
Foram mais de 2.800 construídas por catorze fabricantes diferentes, sendo os principais a Henschel & Sohn e a Orenstein & Koppell.
Com o término da Primeira Guerra
Mundial, a maioria dessas locomotivas foi vendida a preços módicos em todo o
mundo. No Brasil houve compradores para essas locomotivas, inclusive o Exército
que, além das locomotivas usadas, adquiriu unidades
novas até por volta de 1930 com bitolas variando entre 0,60m e 1,00m. Outro
usuário conhecido no Brasil dessas locomotivas foi a EFCB que as adquiriu para
utilização em suas pedreiras.
Pelo menos três dessas locomotivas
adquiridas pela EFCB sobreviveram, sendo uma preservada no Museu Ferroviário de
São João del-Rei; uma na estação ferroviária de Ouro Preto e uma na antiga
estação ferroviária de Sete Lagoas.
- Da esquerda para a direita: locomotiva preservada no museu ferroviário de São João del-Rei; locomotiva preservada na estação ferroviária de Ouro Preto; por fim, a locomotiva preservada na antiga estação ferroviária de Sete Lagoas.
Conclusão
Trata-se, portanto, de um engenhoso
sistema que, apesar do grande número de locomotivas construídas, não foi
amplamente utilizado (ficou basicamente restrito ao modelo "Brigadelok"). Apesar de ser simples
em seu funcionamento, era exigente em termos de manutenção. Descarrilamentos
eram comuns quando os eixos Klien
Lindner eram utilizados como eixos
principais. Os eixos muitas vezes sofriam desgaste desigual,
irregular, além de serem caros de se manter. Essa manutenção mais cara não era compensada pela redução do desgaste dos frisos das rodas e dos trilhos, colocando o sistema em
desuso.